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CNJ viola intimidade do juiz ao exigir explicação

CNJ viola intimidade do juiz ao exigir explicação


POR ALESSANDRO DA SILVA


Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem
(A ciranda da bailarina. Edu Lobo e Chico Buarque)

Toda pessoa traz consigo a própria história, com êxitos e alegrias, mas também com fracassos, tristezas e desgraças. Nessa parte menos gloriosa são muitos os assuntos que podem gerar constrangimento — como violência, drogas, traição, doenças — seja envolvendo o próprio indivíduo ou pessoas de seu relacionamento mais próximo. Quantos serão os assuntos considerados tabu em nossa sociedade. Quantos segredos carrega uma existência.
Em grande medida a resposta está condicionada ao momento histórico e cultural de um dado grupo social. Os padrões de comportamento mudam com o tempo e ainda dependem do lugar. Também variam de pessoa para pessoa, pois o que para uns é vergonhoso, para outros é insignificante.
O fato é que existe uma esfera de atos, comportamentos, valores, crenças, que diz respeito exclusivamente ao indivíduo e a que se costuma denominar intimidade e vida privada. Tratam-se de conceitos abertos, aptos a serem preenchidos conforme se dá a evolução das relações humanas.
A relevância desse conjunto de relações foi reconhecida por nossa Constituição, quando estabeleceu no artigo 5º, inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”.
Segundo Alexandre de Moraes, “a intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc”[1].
Seria de se supor que também aos magistrados esses direitos fossem garantidos. Contudo, para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), essa constatação não é tão óbvia.
Isso porque em 9 de junho de 2009 o CNJ publicou a Resolução 82, segundo a qual ao declarar sua suspeição por foro íntimo, o magistrado deve expor os motivos à Corregedoria local ou a outro órgão designado pelo Tribunal. Os magistrados de segundo grau deverão expor as razões da suspeição à Corregedoria Nacional de Justiça.
O disciplinamento legal das hipóteses de impedimento (art. 134 do CPC) ou suspeição (art. 135 do CPC) do juiz tem por objetivo resguardar o dever de imparcialidade, característica essencial da jurisdição, pois garante que a solução do conflito será determinada por um agente público sem vinculação com nenhuma das partes ou com a causa. Segundo Cândido Rangel Dinamarco:
O juiz é impedido por lei de atuar no processo, ou será havido por suspeito e também é melhor que não participe, quando se encontrar em relação ao caso ou aos sujeitos que dele participam, em alguma daquelas situações nas quais não é razoável exigir ou esperar do homo medius um comportamento superior e equidistante[2].
A diferença principal entre os casos de impedimento e suspeição é que no primeiro as hipóteses são objetivas e determinam a presunção absoluta de parcialidade com obrigação de afastamento, enquanto que no segundo as situações têm conotação mais subjetiva e sua apreciação, em princípio, fica a cargo do juiz[3].
Retomando a lição de Dinamarco, na ideia de suspeição o que prevalece:
[...] é a perda da serenidade e eqüidistância — seja porque ao juiz é aconselhável que se dê por suspeito por motivo de foro íntimo, seja porque as alegações de suspeição fundam-se mais na própria perda da serenidade que no enquadramento típico em hipóteses legais[4].
Percebe-se que a suspeição por motivo de foro íntimo pode ser fundada em um sem número de causas, que dizem respeito exclusivamente à esfera individual do magistrado, e que podem, na sua avaliação, determinar o comprometimento da equidistância imprescindível ao julgamento da lide. Como dito, essa apreciação é subjetiva e está sujeita à variação do padrão de comportamento.
Ao exigir a exposição de tais motivos à Corregedoria, a Resolução 82 invade essa esfera da intimidade do magistrado e colide frontalmente com o direito constitucional[5] estabelecido no artigo 5º, inciso X.
Além desse insuperável vício de conteúdo, a Resolução se revela infeliz pelo mote que determinou sua elaboração. A intenção é controlar e, por consequência reduzir, o que é considerado um grande número de declarações de suspeição por motivo íntimo.
É fato notório que alguns juízes se utilizam desse expediente para diminuir a carga de trabalho ou recusar causas mais complexas. Não menos notório é que em todas as áreas há bons e maus profissionais e na magistratura não é diferente. Tais casos devem ser objeto da ação disciplinar das corregedorias, visto que em função dessa relevância não pode haver espaço para falta de compromisso e descaso.
A Resolução 82, contudo, impôs providência disciplinar a todos os juízes no intuito de frear o abuso de poucos. O expediente é duplamente equivocado, pois abala a garantia de imparcialidade, prerrogativa essencial do Poder Judiciário, e ofende o direito fundamental do magistrado de ver resguardada sua intimidade.
De causar estupefação ainda a previsão de que somente os juízes de primeiro e segundo graus é que devem prestar informações acerca dos motivos que determinaram a declaração de suspeição por foro íntimo. Quanto aos magistrados dos Tribunais Superiores nenhuma palavra.
Percebe-se que o Conselho manteve a atuação equivocada de somente concentrar sua atenção nas ações da base e fazer vistas grossas à cúpula, conforme já denunciado por Marcelo Semer ao término da primeira gestão do CNJ:
Mas é certo que manteve o mesmo olhar caolho sobre a disciplina interna, dirigido às bases e não às cúpulas, onde o controle sempre foi mais frágil. O CNJ não se preocupou em corrigir antigas distorções, como o fato de que as corregedorias dos tribunais alcançam apenas juízes de primeira instância e não desembargadores. Compactuou com a reprodução da regra do foro privilegiado interna corporis: quanto mais alto o status do servidor, mais difícil a fiscalização, o controle e a punição.
Ao invés de se debruçar sobre estes assuntos, que envolvem questões de fundo quanto a um sistema permissivo de irregularidades e a anomalia de uma rede de proteção das autoridades, o CNJ vem se dedicando a disciplinar atos que podem contribuir ainda mais para comprimir a independência e a cidadania do juiz[6].
São regras essenciais da democracia que a concentração de poder deve ser combatida e que o poder deve ser controlado, sob pena de instaurar-se o abuso. O projeto de retirar das atribuições do Supremo Tribunal Federal a função de governo do Judiciário e conferi-la a um órgão com representação democrática, vai ao encontro de tal diretriz. A Justiça é um serviço público e como tal deve estar sujeita ao controle da sociedade.
A criação do CNJ se pretendeu inspirada nesse ideal e deveria ser mais um passo na direção do aperfeiçoamento do Poder Judiciário Brasileiro. Todavia, conquanto tenha sido protagonista em alguns avanços, a atuação do Conselho tem oscilado entre a omissão em aspectos fundamentais para democratização da instituição e uma sanha regulamentadora da conduta individual dos juízes.
Uma das chaves para esse desempenho insuficiente está na falta de critérios transparentes para a indicação de seus membros, pois o Conselho é composto quase integralmente por integrantes ou indicados pelas cúpulas do próprio Judiciário[7]. Daí porque as bases continuem alijadas do governo da instituição, já que não tem representatividade no órgão, e sejam alvo de resoluções que lhes retiram os mais elementares direitos, como a preservação da própria intimidade.



[1] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 53.
[2] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. II. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. pp. 223-4.
[3] Caso esteja presente um das hipóteses de suspeição e o juiz assim não se declare, a parte pode argüir a exceção de suspeição.
[4] Idem, p. 226.
[5] Nesse sentido vale observar que a Resolução 82 foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pela Anamatra, AMB e Ajufe.
[6] SEMER, Marcelo. “O CNJ tem namoro explícito com o corporativismo”. Disponível em . Acesso em 12/07/2009 às 22h.
[7] A indicação dos representantes de primeiro e segundo graus da Justiça do Trabalho para o CNJ, foi ilustrativa desse quadro , pois o TST ignorou solenemente a consulta realizada pela Anamatra a todos os associados. Cf. “ JT no CNJ: Anamatra afirma que escolha reflete apenas o pensamento da cúpula do Tribunal Superior do Trabalho”. Disponível em .

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